A Festa da Menina Morta

Publicada em 26/04/2010 às 14:43

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Um filme, quando bem realizado, expõe de forma cristalina o estado de espírito do cineasta no momento em queconstruía sua obra. Vide Apocalypse Now, que  exala, em cada fotograma, o caos que vivia Francis Ford Coppola, quando filmou o clássico, convivendo com surtos suicidas, problemas de relacionamento  com sua equipe, dificuldades orçamentárias, além de seu consumo diário de quilos de cocaína.

No Brasil, percebe-se em Terra em Transe, dirigido por Glauber Rocha, um misto de frustração e impotência frente ao golpe de 1964, ao fazer uma viagem dentro da consciência de um militante político pós-fracasso de uma revolução socialista.

A Festa da Menina Morta, dirigido por Matheus Nachtergaele, deixa a impressão de ser uma obra sustentada pelas descobertas do diretor, como se a nova função estivesse sendo compreendida na prática, haja vista que por muitas vezes seu experimentalismo resulta em perspectivas brilhantes; enquanto, em outros, extrapola o uso de artifícios “artísticos”.

De toda forma, sendo ou não feliz em suas escolhas, o que realmente importa é a ousadia do cineasta ao tentar  construir uma história “simples” de  modo mais atraente, deixando de lado os artifícios básicos de narrativa, para investir na criação de um estilo próprio.

E os ensaios do realizador não estão presentes somente nas cores, nas luzes ou nos enquadramentos. Suas ousadias vão além. A começar pelo roteiro pós-dramático, que observa o fanatismo religioso, usando uma seita miscigenada como estudo de caso.

O culto em questão é baseado na santificação da menina desaparecida, que teve um pedaço de sua roupa achado por Santinho,  personagem de Daniel Oliveira,  que por sua vez passou a ter status de santo em uma pequena cidade à beira do Rio Solimões.

Não há julgamentos ou respostas, o que importa é o registro de um dos muitos exemplos da religiosidade do povo brasileiro, que, por vezes, engloba diferentes tipos de celebração, saindo do campo espiritual e abrindo espaço para prazeres carnais, como a bebida, prostituição, além de espetáculos teatrais.

A  teatralidade não fica restrita somente às apresentações artísticas da festa, visto que o culto em si já é fruto de encenações, ficando a cargo de  Santinho, a responsabilidade de criar a ponte entre o mundo físico e o universo sobrenatural da religião.

Mesmo contanto com excelentes atuações e arrojo visual, “A Festa da Menina Morta” acaba “passando do ponto” em alguns momentos, principalmente  quando insere fatores paralelos que não dizem respeito ao universo da seita, como a relação incestuosa entre Santinho e seu pai (Jackson Antunes), ou quando perde o controle nas cenas de improviso.

Mas esses pequenos detalhes não apagam a brilhante estreia do ator por trás das câmeras, apresentando um olhar inocente e inquieto, que visa compreender um pouco da religiosidade brasileira, deixando que o público explore esse universo sem impor julgamentos.

Saiba mais sobre o filme A Festa da Menina Morta.

Por Bruno Marques   ([email protected])

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