Precisamos Falar Sobre o Kevin

Publicada em 30/01/2012 às 16:53

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Lynne Ramsey, diretora e co-roteirista do filme em questão, parece que tinha certeza que, para adaptar a obra de Lionel Shriver, seria necessário fugir do enredo proposto pelo livro (delineado por cartas) para, então, dar a luz (quase que literalmente) a algo único e autoral. Com isso, as páginas, que já são consideradas clássicas na literatura de suspense, tornaram-se (por meio de mudanças necessárias à linguagem do cinema), instantaneamente, indispensável para qualquer cinemateca desse gênero.

Através de um anagrama desumano que embaralha os desejos pessoais e profissionais de uma mulher (Tilda Swinton) e seus pensamentos do que pode ser eticamente (?) correto (o que, fatalmente, fará parte do público se importar com a personagem), Ramsey foge da trama de um suspense banal (aquele que cresce, linearmente, junto à curiosidade do espectador) para criar um medo absorvente e uma sensação de acaso recorrente que elimina e logo em seguida renova toda tensão (num ciclo quase vicioso). Ainda, agravando os trejeitos de uma vizinha indesejada (sem motivos aparentes), esposa e mãe (e todos os espectadores, aqui, deverão estar submersos na trama), a cineasta robustece as pontas e só eleva a força da narrativa.

A história, sempre apoiada na atuação brilhante da Swinton (que, a certa altura, surge tão indolente e fisicamente apática quanto um magérrimo zumbi – sendo essa a melhor atuação da sua carreira), perpassa por diálogos duros (muitos desses mudos – com as cáusticas farpas da diretora agindo) e que remetem à questão: o amor pode ser, somente, uma obrigação social?

A fotografia cautelosa do Seamus McGarvey ainda sugere, à intenção, um salto de um lugar alto. Transformando imagens comuns (que se tornam facilmente digeridas pelo público) em cores vermelhas pouco sutis e, ainda, utilizando texturas visuais irrepreensíveis em sua estética (aludindo a toda violência psicológica e física), o cinefotógrafo, após ótimos trabalhos (como em Desejo e Reparação), parece querer comprovar, em definitivo, o seu talento.

Ainda com o elenco fortalecido pela prima capacidade do John C. Reilly para personagens corriqueiros (resgatar esse ator das comédias irregulares foi fundamental) e pela atuação comprometida do rapaz Ezra Miller (o Kevin adolescente) e contando com uma trilha sonora que jamais bloqueia o intuito da história (apenas contorna o clima de conflito – por vezes com o contraste), o salto se torna, verdadeiramente, altivo, assim como o de um suicida convicto: do mais alto prédio em direção a um solo duro e sujo. Mas é então que se descobre o quão rápida (e obrigatória) é a morte e a sensação prévia é tão satisfatória que, mesmo sem mais vida, fica ali encravada no cérebro daquele corpo.

Foi assim que Precisamos Falar Sobre o Kevin se apossou da minha mente e praticamente me ordenou, após a projeção, a ligar para minha mãe e a dizer: “Mãe, eu te amo.” (e sem obrigação social alguma).

ps: é triste notar que os interesses políticos da Academia (que permanecem longe do nosso alcance) fecham os olhos para os gêneros de suspense, terror e horror. Perceber que na lista de indicados ao prêmio maior do Oscar estão alguns filmes que não mereciam e, pior, notar que há uma vaga sobrando entre as dez possíveis e, assim mesmo, não encontrar qualquer indicação (em qualquer categoria) para Precisamos Falar Sobre o Kevin é (muito) constrangedor.

Bons e ruins filmes para nós!

Saiba mais sobre o filme Precisamos Falar Sobre o Kevin.

Por Sihan Felix

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