O curioso caso do diretor Alan Smithee

Publicada em 30/04/2016 às 10:17

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Sabe quando você embarca em um projeto coletivo e vê ele tomando forma de um jeito que não te agrada, com influência de gente que você não queria por perto e sobretudo resultando em algo que você considera desastroso? Pois é, isso acontece no cinema também.

David O. Russel é um diretor queridinho por seus dramas equilibrados com humor e esperança, com personagens bem desenvolvidos, como O Lado Bom da Vida, que deu a Jennifer Lawrence o (prematuro) Oscar de Melhor Atriz e mostrou que Robert De Niro ainda sabe o que está fazendo com sua carreira.

Mas há muito tempo atrás…não, na verdade há apenas 8 anos, ele dirigiu um filme chamado Nailed, que nunca foi terminado por causa da monstruosa quantidade de coisas que começaram a dar errado na produção. David tirou o cavalinho da chuva na época, mas recentemente teve que ver o filme lançado com o nome de Amor por Acidente.

O elenco, veja só, é bom! Jake Gyllenhaall e Jessica Biel protagonizam como um jovem senador e uma garçonete que se encontram e se apaixonam. O problema é que ela está com um prego alojado em seu cérebro, cheia de sintomas estranhos e não consegue atendimento em hospitais para removê-lo, pois não tem plano de saúde (sim, se você acha a saúde no Brasil um caos, imagine cair doente nos EUA e acordar devendo até as calças).

A história daria uma daquelas comédias de humor macabro bem ligeiras, mas, dizem as más línguas, o que estava filmado pelo diretor foi tão grosseiramente costurado na sala de edição que cenas cruciais para o entendimento da trama simplesmente não existem. E o filme foi lançado assim mesmo.

Russel ficou tão envergonhado do pequeno “Frankenstein” cinematográfico que não permitiu que seu nome fosse colocado nos créditos. A solução? Os créditos exibidos no filme mostram que ele foi dirigido por um tal de Stephen Greene, um diretor que simplesmente não existe. Como o caso foi contado em todos os sites, jornais e revistas de entretenimento existentes, a manobra de Russel para não se misturar com o resultado final não deu certo, não é? Aceite, Russell: todo mundo que assistir Amor por Acidente vai saber que foi você quem dirigiu!

 

Brincadeiras à parte, casos como esse acontecem quando o diretor perde completamente o comando da produção, seja por problemas financeiros, seja por interesses do estúdio que não batem com seus interesses, seja por abandono do projeto pelos atores principais, entre outros problemas insuperáveis.

Aí que a coisa fica interessante: o Sindicato dos Diretores da América (Directors Guild of America) até permite o uso de pseudônimos por seus associados quando a vergonha é muito grande. O nome Alan Smithee, por exemplo, foi usado várias vezes por diretores que não queriam ser ligados a produções que consideraram ruins. Até hoje é o nome referência quando se fala em filmes desastrosos que são vergonha para seus realizadores. 

Mas por que esse nome especificamente? A primeira vez que Alan Smithee apareceu como saída de emergência para um diretor chateado foi em 1969. O faroeste Death of a Gunfighter estava sendo filmado quando o ator Richard Widmark começou a discordar do diretor no meio das filmagens e outro profissional foi trazido para assumir a direção. Como nem o diretor original, nem o substituto queriam aproximar seus nomes daquela bagunça, o sindicato dos Diretores da América, creditou o título a Allen Smithee (na história do cinema o nome aparece com pequenas variações de grafia).

Um outro caso de uso famoso do nome é para a versão televisiva da ficção-científica Duna, já que o roteirista e diretor do filme original, David Lynch, não quis ver seu nome nos créditos da obra reeditada para a TV.

Em 1997, um caso notório envolvendo o nome Alan Smithee mostrou que a loucura não tem limites: o filme Hollywood – Muito Além das Câmeras contava a história de um pobre diretor chamado Alan Smithee, que tentava sequestrar a produção de um filme para fazê-lo do seu jeito, já que não estava satisfeito com as filmagens e não podia usar o pseudônimo pois esse já era seu nome real.

Alan Smithee
Eric Idle interpreta Alan Smithee

O resultado final da comédia desagradou tanto o diretor Arthur Hiller (do clássico do chororô Love Story – Uma História de Amor), que ele viu a edição ser modificada sem sua permissão e recusou-se a assinar o produto pronto, ou seja, o filme que satiriza o uso do pseudônimo Alan Smithee foi lançado com Alan Smithee como diretor. Entendeu? Só em Hollywood mesmo...

Já em 2000, o filme Supernova também passou por problemas na produção, com atrasos e interferências do estúdio, e deixou seu diretor Walter Hill muito descontente. Ele apelou ao sindicato para tirar seu nome do longa e, como o nome Alan Smithee já estava desgastado, conseguiu colocar Thomas Lee como pseudônimo. Detalhe: o estúdio tentou melhorar o filme chamando ninguém menos que Francis Ford Coppola para dar um tapa na direção e edição… mas nem o diretor da trilogia O Poderoso Chefão conseguiu acertar o ponto da receita desandada e o longa foi lançado direto para o buraco negro do fracasso.

Com as redes sociais disponíveis, muitos diretores, roteiristas e atores acabam desabafando lá mesmo sobre a insatisfação com um determinado trabalho. Em 2015, Josh Trank, diretor de O Quarteto Fantástico, foi ao Twitter para se desculpar com os fãs pela má qualidade do filme: "Um ano atrás eu tinha uma versão fantásica disso. E ela teria recebido ótimas críticas. Você provavelmente nunca o verá. Essa é a realidade", escreveu o diretor. Ele apagou o tweet, mas como a internet não perdoa, seu lamento já tinha sido visto por milhares de pessoas. 

Aqui no Brasil um caso recente de diretor que recusa responsabilidade pelos estragos que fazem com seu trabalho aconteceu há poucos anos, com a versão para TV da cinebiografia de Tim Maia. A Globo dividiu o filme em dois capítulos e colocou depoimentos reais em meio à ficção, sem consultar o diretor. Ok. Aí surgiram as alegações de que a versão televisiva amenizou situações que mostravam o cantor Roberto Carlos de forma pouca simpática: no filme ele aparece com um dos artistas que prejudicaram Tim Maia no começo de sua carreira.

filme tim maia diretor
Cena do filme Tim Maia 

Em seu perfil no Instagram, o diretor do longa-metragem, Mauro Lima, alertou seus seguidores para não assistirem à atração: “Sugiro que não assistam essa versão na Globo. Trata-se de um subproduto que não escrevi daquele modo, nem dirigi ou editei”.

Com tanto dinheiro, ego e reputações envolvidas, seja no Brasil ou em Hollywood, não é difícil imaginar que as produções cinematográficas tenham problemas enlouquecedores. Agora, quando você estiver insatisfeito com seus coleguinhas de trabalho, querendo tirar seu nome do resultado final, lembre-se que pelo menos você não está envolvido em uma obra ruim que vai rodar o mundo manchando seu nome!

Quais filmes você considera tão ruins que mereciam ter o pseudônimo Alan Smithee na direção? Deixe seus comentários abaixo!

Por Fabíola Cunha


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