A Canção do Sul: o filme que a Disney gostaria de esquecer

Publicada em 19/11/2019 às 00:26

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A Canção do Sul: o filme que a Disney gostaria de esquecer
Foto: Divulgação/Disney

Lançado em 12 de novembro de 1946 nos Estados Unidos, o filme A Canção do Sul foi o primeiro longa da Disney a misturar animação e atores reais. A interação foi um grande avanço tecnológico e chegou a ganhar prêmios no Oscar, mas a Disney quer esquecer esse filme.

Enquanto muitos filmes antigos da Disney foram posteriormente remasterizados e lançados em DVD, Blu-ray, streaming ou outras opções, A Canção do Sul foi completamente retirado de circulação — não sendo lançado sequer no Disney+, plataforma da Disney que teve sua estreia no dia 12 de novembro.

O motivo por trás de tantos cuidados para esconder esse filme do público apresenta-se nas duras críticas que o longa recebeu por racismo. Entenda o que há de errado com este filme e o porquê de sua proibição:

Baseado nas histórias de Tio Remus, do folclorista Joel Chandler Harris, acompanha a fantasiosa jornada do personagem Remus, um contador de histórias que está entretendo um jovenzinho preocupado com a separação de seus pais. Seus contos incluem o Coelho Quincas, João Honesto e Zé Grandão, três animais que aparecem como personagens animados no filme.

A Canção do Sul: o filme que a Disney gostaria de esquecer
Foto: Divulgação/Disney

Pela sinopse o filme parece um longa inocente, mas está bem longe disso: o filme A Canção do Sul é ambientado no período da Reconstrução dos Estados Unidos, entre 1865 e 1877, época em que a escravidão já estava teoricamente abolida, mas ainda acontecia na prática. 

Tio Remus, interpretado por James Baskett, é o protagonista da trama, descrito como um ex-escravo que leva uma vida simples e feliz. Ele tem sua liberdade de ir e vir, mas age com certo saudosismo em referência aos tempos antigos, além de uma representação estereotipada dos negros e da cultura afro-americana que está presente em diversos aspectos do longa.

Na época, a Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor (NAACP) lançou uma declaração contra o filme:  

A Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor reconhece em A Canção do Sul o mérito artístico notável na música e na combinação de atores vivos e na técnica de desenho animado. Lamenta, no entanto, que, em um esforço para não ofender o público do norte ou do sul, a produção ajude a perpetuar uma imagem perigosamente glorificada da escravidão. Usando o belo folclore do tio Remus, A Canção do Sul. infelizmente, dá a impressão de um relacionamento idílico entre mestre e escravo, que é uma distorção dos fatos.

A declaração gerou grande polêmica na época, da qual a Disney tentou se esquivar ao dizer que o filme se passa em uma época na qual a escravidão já havia sido abolida, mas não diminuiu a onda de críticas.

Entretanto, também não foi o suficiente para tirar o filme das grandes premiações da época: Zip-A-Dee-Doo-Dah, popular música do filme, ganhou o Oscar de Melhor Canção Original, enquanto o ator James Baskett levou para casa um Oscar Honorário, tornando-se o primeiro artista negro a receber uma estatueta.

Mas nem tudo foram flores para o astro: Baskett foi barrado da sessão de estreia do filme, em Atlanta, estado que ainda era segregado e não permitia a entrada de negros em cinemas. Além disso, foi criticado por outros negros por interpretar um papel com tal representação difamatória e estereotipada de um escravo abdicado, mas ainda serve felizmente a seus antigos senhores. 

Embora na época a Disney tenha tentado driblar as críticas, respondendo com defesas baseadas no livro que inspirou o longa, hoje aceitam o fato de que o filme foi um erro e tentam escondê-lo ao máximo. 

Ainda assim, mesmo hoje o filme divide a opinião do público: enquanto é muito criticado por uma parcela dos espectadores devido às conotações e abordagens racistas da obra, outros alegam que A Canção do Sul foi mal compreendido e que não há motivo para tanto alarde, além de enaltecerem as qualidades técnicas da obra.

Mas isso já era previsto Vern Caldwell, publicitário da Disney, antes mesmo de seu lançamento. Na época, escreveu ao produtor Percebe Pearce que "a situação dos negros é perigosa. Entre os que odeiam os negros e os amantes dos negros, há muitas chances de se deparar com situações que podem variar desde o desagradável até o controverso". 

A Canção do Sul: o filme que a Disney gostaria de esquecer
Foto: Divulgação/Disney

Com o lançamento do Disney+, muitos espectadores chegaram a se perguntar se o longa estaria disponível no catálogo da plataforma, o que não aconteceu — e de certa forma já era previsto.

Em 2011 o chefe da Disney, Bob Iger, disse ao The Guardian que o filme "não necessariamente parece bom ou certo para várias pessoas hoje" e que "não seria do interesse de nossos acionistas trazer de volta, mesmo que houvesse algum ganho financeiro".

Alguns filmes da Disney com conotações racistas, como Dumbo (1941), aos negros, e A Dama e o Vagabundo (1955), aos chineses, estão disponíveis na plataforma com um anúncio de “conteúdo culturalmente desatualizado”, por apresentarem representações estereotipadas e ofensivas a culturas não-brancas.

Entretanto, não há salvação para A Canção do Sul: tais representações estão presentes no filme do começo ao fim, e um aviso não seria o suficiente. Para evitar novas discussões, ainda mais em um cenário cada vez mais disposto a lutar pela igualdade, direito e respeito às minorias, o melhor que a Disney pôde fazer foi continuar a manter o filme escondido.

Ainda é possível encontrar fitas VHS em sebos ou sites de revendas on-line, assim como em streamings piratas, mas não há nada legal e oficial disponível sobre o A Canção do Sul, e parece que a Disney prefere manter dessa forma: 

O último lançamento oficial do filme foi um VHS no ano de 2000, no Reino Unido. Nos Estados Unidos, a última atualização foi em 1986, para o aniversário de 40 anos de lançamento do longa.

O que não deixa dúvidas é que A Canção do Sul é o filme mais polêmico da história da Disney.

Aproveite para conhecer outros filmes do estúdio no Cinema10 na seleção "Os Melhores Filmes da Disney".

Por Karoline Póss


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Comentários (2)





Jefferson comentou: Eu acho uma pena esse filme não remasterizado, é indiscutível um filme muito bonito, mas, infelizmente algumas pessoas se ofendem, apesar de ser um filme com um protagonista negro, contando histórias do folclore negro do Sul, algumas pessoas não aprovaram. Eu achei o filme muito belo e é uma pena ele ter sido tão criticado por brancos por ter um protagonista negro e por negros pelo mesmo motivo 13/06/2020 | Responder
Perfil Anônimo respondeu: O problema não é o personagem mas a forma como o personagem narra as histórias: dá a impressão que ele vivia melhor na época em que era escravo. 02/12/2023


Rodrigo Stifler comentou: Alguém avisa pro retardado que escreveu a matéria que eram os democratas que faziam as leis racista e mandavam no sul antigamente 02/02/2020 | Responder
Perfil Anônimo respondeu: Aviso ao retardado que escreveu esse comentário: o Partido Democrata sofre até hoje com o prejuízo político nos Estados do Sul dos EUA desde quando apoiou o fim das leis de segregação racial. Com esse movimento, os racistas desses Estados passaram a votar em peso no Partido Republicano. 02/12/2023