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Geórges Méliès – Primórdios da sétima arte

Publicada em 07/07/2011 às 14:50 Comente

O cinema não surgiu no momento em que se criou a câmera, pois cinema não é o mero registro de imagens em movimento. Cinema é um conjunto de imagem, conteúdo e modos de transmitir esse conteúdo. O cinema possui uma linguagem própria. Os irmãos Lumière são os grandes criadores do cinematógrafo, o primeiro aparato a reproduzir imagens animadas satisfatoriamente; enquanto Méliès (foto) foi quem notou, muito geniosamente, que a câmera poderia ser utilizada para muito mais que apenas registros de cenas cotidianas; e Griffith desenvolveu, pioneiramente, uma linguagem genuinamente cinematográfica.
Antes disso tudo, havia um instrumento denominado Lanterna Mágica, capaz de projetar imagens estáticas, mas, através de diversas artimanhas dos manipuladores, poderia causar ilusão de movimento, sendo, assim, o precursor da ideia de produzir imagens animadas. O físico e matemático Joseph Plateau inventou, em 1832, o estroboscópio. A projeção de imagens estroboscópicas causava ilusão de movimento, efeito proporcionado pela persistência das impressões luminosas na retina. Plateau registrou que a duração dessa persistência é de um décimo de segundo, ou seja, para que o cérebro tenha a impressão de movimento contínuo, é necessária a razão de, pelo menos, dez imagens (quadros) por segundo. Foram diversos os fatores que corroboraram para o invento dos Lumière. Após uma trajetória nada insignificante, os irmãos puderam fazer a síntese dos experimentos bem sucedidos e criar a primeira câmera propriamente dita. Para ter certeza absoluta da ilusão de movimento, os Lumière fixaram a capacidade do seu novo invento em dezesseis imagens por segundo. A 28 de Dezembro de 1895 realizaram uma modesta exibição no Grand Café que deixou os espectadores pasmados e bastante impressionados, o que compensou a falta de verba para uma boa publicidade, pois a notícia correu de boca a boca e logo o Grand Café estava abarrotado de curiosos pela grande novidade: a fotografia em movimento. Mesmo com a impressão definitivamente positiva de todos os que puderam ver a novidade, os Lumière não viam o seu cinematógrafo como um objeto capaz de entreter as massas. O invento era limitado ao âmbito laboratorial, isso é, restringia-se ao registro de movimentos para que pudessem ser vistos tantas vezes quanto fossem necessárias... para auxílio do progresso científico. Um dos espectadores do advento cinematográfico Lumière era o ilusionista e diretor do Teatro Robert Houdin, Georges Méliès. Quase que espontaneamente, percebeu que o dispositivo não deveria se restringir à utilização científica e tentou comprar o cinematógrafo dos Lumière, obtendo como resposta nada menos que: “A nossa invenção não está à venda. Pode ser explorada durante algum tempo como uma curiosidade científica, mas não tem o menor futuro comercial. Seria a sua ruína.” Méliès recorreu, então, ao bioscópio, invento do inglês Robert William Paul, imperfeito perante o cinematógrafo, mas nada que o próprio Méliès não pudesse resolver, pois dentre suas inúmeras qualidades, era, também, um primoroso mecânico. Em abril de 1986, estava pronto para anunciar, em meio aos cartazes do seu Teatro, “Cinetógrafo – Fotografias Animadas”. A princípio, eram paródias das produções Lumière, mas logo evoluíram para uma série de produções que superam facilmente muitos efeitos especiais atuais (levando em conta as proporções tecnológicas). Méliès notou que, na falta de oportunidade de registrar um evento, esse poderia ser reproduzido, tal qual, através de atuações, como o fez com A Coroação do Rei da Inglaterra Eduardo VII, ao reproduzir, em estúdio, a Abadia de Westminster e utilizar um ator bastante semelhante ao rei. Muitos consideram D. W. Griffith como pai no cinema, o que não gera problemas, pois seria, então, muito sensato, tomarmos Méliès por avô do cinema. Não só por Griffith ter declarado “a ele tudo devo” (referindo-se à Méliès), mas porque ele, de fato, foi o fundador do cinema como entretenimento. Não ter criado uma linguagem cinematográfica mais rebuscada (a mais notável contribuição de Griffith para o cinema) é um detalhe que não deve, de forma alguma, reduzir sua importância.
Méliès viu no cinema a oportunidade de recriar e reproduzir o fantástico de uma forma que era impossível através do teatro, mas ele não abandona os palcos, ao contrário, ele leva os palcos (e muito da forma teatral de se transmitir uma história) para dentro do cinema. Se não fosse o ilusionismo dos efeitos especiais, o espectador poderia ter a sensação de estar vendo a gravação de uma peça. O cenário utilizado em seus filmes, embora muito se assemelhem aos cenários teatrais, tem o diferencial de serem filmados no primeiro estúdio de que se tem notícia, criado pelo próprio Méliès em seu jardim. Era envidraçado e dispunha de dezessete metros de comprimento por seis de largura, equipado como um palco de teatro aprimoradíssimo, adequado às necessidades das produções mélièsianas. A partir de então, tal qual um excelente ilusionista, desenvolveu técnicas que gerariam ilusão de ótica, como transições por dissolução (sobreimpressão e sobreposição), parada e substituição, sobreimpressão e incrustação, dentre outras artimanhas. Méliès pode não ser, para alguns, o pai do cinema, mas é, sem sombra de dúvidas, o pai dos efeitos especiais. Parada e Substituição: Diz-se que Méliès descobriu essa técnica acidentalmente quando, ao fazer uma filmagem na rua, sua câmera, repentinamente, travou (problema comum, uma vez que o aparelho era ainda rudimentar). Após resolver o problema, reiniciou a filmagem normalmente. Ao assistir as imagens posteriormente, percebeu não só que as coisas tinham mudado de lugar, devido ao lapso da filmagem, como alguns integrantes da filmagem pareciam ter-se transformado em outros. O efeito é simples: filma-se algo, pausa-se a filmagem, substitui-se o objeto por outro ou põe-se um objeto em cena (ou o contrário) de modo a dar a impressão de mágica substituição ou (des)aparecimento. Com uma pequena mudança de posição a cada quadro temos o surgimento daquilo que hoje conhecemos por stop-motion. Dissolução: Consiste em filmar algo, parar a filmagem, rebobinar a película alguns quadros e filmar o que deseja substituir sobre as imagens anteriormente gravadas no filme. O efeito gera uma forma mais sofisticada da substituição, ou seja, não havia uma mudança (troca, aparecimento ou desaparecimento) súbita de objetos, mas, sim, uma transformação gradual de uma coisa em outra.    Dupla Exposição: É a base dos efeitos especiais utilizados até hoje, onde duas ou mais imagens são sobrepostas, como em cenas de, por exemplo, queda livre, vôo, atores contracenando consigo mesmos... Méliès filmava sobre um plano de fundo preto (hoje utilizam o fundo verde ou azul) e depois sobrepunha uma cena sobre outra, gerando os mais diversos efeitos. Obra-Prima: Viagem à Lua (Le Voyage Dans La Lune). Como não poderia faltar ao pai da ficção científica, Méliès reproduz, através da nova tecnologia, um romance do sublime visionário Júlio Verne.

É, provavelmente, o primeiro filme sci-fi e o primeiro com alienígenas. É, também, nesse filme que surge um dos primeiros sinais da linguagem cinematográfica: a cena de pouso da nave (tripulada por cientistas) na lua é mostrada duas vezes, sob dois ângulos distintos. Mas quem se faz gênio nem sempre morre reconhecido como tal. Sua companhia de filmes, a Star Filmes, foi considerada, por algum tempo, como referência mundial em cinema. Mas concorrentes foram surgindo e o cinema amadurecendo. E surge Griffith e a Pathé, concorrência forte demais para um ilusionista que trabalhava artesanalmente, pois o cinema também amadureceu através do parricídio. Com a primeira grande guerra, as películas de Méliès passaram a ser utilizadas como matéria-prima de calçados e ele se viu em completa ruína. Trabalhou em uma loja de brinquedos até a sua morte em 21 de janeiro de 1938.    Por Laísa Trojaike

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